Quatro em cada cinco terras indígenas de Roraima já estão cercadas por plantações de soja. O dado integra um estudo conduzido pelos pesquisadores Barbara Lima-Silva e Carson Oliveira, do Instituto Serrapilheira, que identificou presença do cultivo no entorno de 26 das 33 terras indígenas do estado. A maior parte delas, 24 áreas, é classificada como “ilhas”, por serem pequenas, fragmentadas e sem conexão territorial com outras áreas protegidas.
Entre as terras impactadas está a Serra da Moça, a cerca de 60 km de Boa Vista, onde vive a Comunidade Morcego, formada por 73 famílias dos povos Macuxi e Wapichana. O líder indígena Jabson Silva lembra que, antes da chegada da soja em 2018, a rotina era tranquila, sem o ruído constante de máquinas agrícolas.
Ele relata que aeronaves usadas por produtores vizinhos faziam manobras perto das casas ao pulverizar agrotóxicos. Segundo Jabson, moradores apresentaram irritações na pele, problemas nos olhos e dificuldades respiratórias, especialmente entre crianças e idosos.
O avanço da soja em Roraima ocorre em ritmo acelerado. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a área destinada ao grão subiu de 18.725 hectares em 2017 para 117.215 hectares em 2024, aumento de 526%. A produção também cresceu expressivamente, passando de 45.077 para 416.650 toneladas. Em 2024, a soja liderou as exportações do estado, com envios para China, Guiana, Venezuela e países da União Europeia.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) considera que a forma como os territórios indígenas foram demarcados contribui para esse cenário, por concentrar muitas terras em áreas pequenas e isoladas. A entidade defende que as demarcações sejam revistas para ampliar e conectar territórios.
O estudo ainda investigou impactos ambientais e identificou 1.930 espécies registradas em 20 terras indígenas analisadas. Os pesquisadores concluíram que a biodiversidade é maior quando as terras são amplas, mais isoladas e próximas a outras áreas de preservação. O avanço da soja aparece como um fator de pressão especialmente sobre aves e anfíbios.
Na Comunidade Morcego, a presença das plantações é percebida diariamente. Moradores relatam ruídos constantes de máquinas, poeira gerada durante colheitas e cheiro frequente de defensivos agrícolas. Em 2021, uma pulverização aérea atingiu casas da comunidade, o que resultou em multa de R$ 103 mil aplicada pelo Ibama. O órgão também proibiu novas aplicações por aeronaves, mas produtores voltaram a realizar a pulverização, o que gerou novas multas e uma decisão judicial suspendendo o uso de aviões.
A comunidade também relata o desaparecimento de plantas nativas usadas na alimentação e na medicina tradicional, como caimbé e mirixi. Moradores afirmam que a produção local diminuiu e que muitas famílias dependem hoje de alimentos comprados.
O pesquisador Bruno Sarkis, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), avalia que a expansão da soja está ligada a políticas estaduais que incentivaram a ocupação de terras por grandes produtores, especialmente nos últimos seis anos. Entre as medidas citadas estão a flexibilização da compra e regularização de terras e a redução da reserva legal em propriedades rurais. Segundo ele, o crescimento aumenta indicadores econômicos, mas os benefícios ficam concentrados entre poucos produtores.
O governo estadual foi procurado, mas não respondeu.
Com informações do Brasil de Fato e Samantha Rufyno/Repórter Brasil
