O Ministério Público de Contas de Roraima (MPC/RR) investiga uma série de contratos suspeitos firmados pela prefeitura de São Luiz do Anauá, no sul do Estado, que, juntos, ultrapassam R$ 1,3 milhão.
As apurações fazem parte de uma diligência realizada nesta terça-feira (17) no município, após uma série de denúncias sobre possíveis fraudes e irregularidades na administração pública local.
A ação foi coordenada pelo procurador-geral de Contas e titular da 1ª Procuradoria, Paulo Sousa, com apoio de equipe técnica da instituição. A diligência constatou indícios de fraudes que envolvem contratações sem licitação, empresas sem sede adequada e ausência de prestação de serviços ou entrega de produtos contratados.
Escritório de advocacia
Entre os principais contratos sob investigação, está a contratação do escritório de advocacia Matheus B. de Abreu Sociedade Individual, que, em menos de seis meses, firmou dois contratos milionários com a Prefeitura.
O primeiro, datado de janeiro deste ano, previa o pagamento de R$ 216 mil por 12 meses de serviços jurídicos. Poucos meses depois, em junho, foi publicado outro extrato contratual com o mesmo objeto, mas com valor significativamente maior, chegando a R$ 336 mil. Somados, os dois contratos totalizam R$ 552 mil.
No entanto, durante a diligência, a sede do referido escritório, localizada no próprio município, foi encontrada em estado de completo abandono. As salas estavam vazias, em péssimas condições de conservação e sem qualquer sinal de funcionamento regular, o que levanta sérias suspeitas sobre a efetiva prestação dos serviços contratados.
Casa de madeira
Outro caso que chamou a atenção dos investigadores foi a contratação da empresa FB Empreendimentos e Serviços LTDA, também por meio de dispensa de licitação, em dois processos distintos.
O primeiro contrato, no valor de R$ 456 mil, tinha como objeto a aquisição de materiais de expediente. O segundo, de R$ 213 mil, era destinado à compra de itens de higiene e cozinha. Juntos, os dois contratos somam R$ 669 mil.
A surpresa veio quando a equipe do MPC foi até o endereço informado como sede da empresa, localizado na Rua Souza, nº 1496, e encontrou uma simples casa de madeira, habitada por uma família, sem qualquer placa, escritório ou estrutura que caracterizasse uma empresa em funcionamento. O cenário reforça a suspeita de que se trata de uma empresa fantasma, criada ou utilizada apenas para firmar contratos com a administração pública.
R$ 62,9 mil de cestas básicas e água potável
Outra irregularidade identificada foi uma dispensa de licitação no valor de R$ 62.978,16, datada de 30 de abril de 2025, para a aquisição de cestas básicas e água potável, supostamente destinadas a famílias em situação de vulnerabilidade social no município.
Contudo, conforme relatos recebidos pelo MPC, os itens contratados jamais foram entregues à população, levantando a possibilidade de desvio de recursos públicos e prática de fraude nos processos de compra.
Decreto de calamidade financeira
Todos os contratos investigados fazem parte da atual gestão da prefeitura de São Luiz do Anauá, comandada pelo prefeito Francisco Lima da Silva, conhecido como “Chicão”, do PP, que assumiu o cargo no início de 2025.
Curiosamente, logo nos primeiros dias do mandato, o gestor municipal publicou um decreto de calamidade financeira, alegando dificuldades herdadas da administração anterior. Mesmo assim, em poucos meses, a gestão realizou contratações milionárias, agora sob suspeita de ilegalidade.
‘Mais um escândalo’
Durante a diligência, o procurador-geral de Contas, Paulo Sousa, classificou o que foi encontrado como “mais um escândalo que pode beirar o desvio de recursos públicos”.
“Viemos a São Luiz fazer uma diligência e, infelizmente, constatamos mais um caso grave. A empresa FB aparece como vencedora de duas licitações que somam quase R$ 700 mil, mas sua sede é uma casa de madeira habitada por uma família. A empresa não existe de fato. Estamos diante de mais um caso clássico de empresa fantasma vendendo para pequenos municípios do interior de Roraima”, destacou o procurador.
Sousa afirmou ainda que o MPC/RR adotará todas as medidas legais cabíveis e que espera que o caso sirva de alerta para os prefeitos que assumiram recentemente, reforçando a responsabilidade na gestão dos recursos públicos.
“Vamos tomar as providências necessárias. Espero que isso tenha um efeito pedagógico, para que os novos gestores municipais entendam que não podem cometer esse tipo de prática. A população não pode mais ser penalizada com esse tipo de conduta irresponsável”, concluiu.
Outras obras sob fiscalização
Essa não foi a primeira vez que o MPC/RR esteve no município para fiscalizar ações da gestão pública. Em agosto de 2024, o órgão também realizou vistorias em obras públicas paralisadas, como o portal de entrada da cidade, orçado em mais de R$ 2 milhões, e a reforma do parque de vaquejada, igualmente parada.
Na ocasião, a equipe constatou a ausência de documentos físicos e processos administrativos nos setores responsáveis da prefeitura, o que dificultava o acompanhamento da aplicação dos recursos.
Mais de R$ 1,3 milhão
Somando apenas os contratos apurados na diligência desta semana — incluindo os contratos de advocacia (R$ 552 mil), da FB Empreendimentos (R$ 669 mil) e a compra de cestas básicas (R$ 62,9 mil) —, os valores sob suspeita ultrapassam R$ 1,3 milhão em um período de poucos meses de gestão.
O Ministério Público de Contas segue apurando os fatos e deve encaminhar os resultados à análise do Tribunal de Contas de Roraima (TCE/RR) e, se for o caso, ao Ministério Público Estadual (MPRR) e demais órgãos competentes para adoção das providências penais e civis cabíveis.